PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Uma lenda do cinema e da TV, Zelito Viana ajudou a revolucionar o audiovisual no Brasil – e segue em constante atualização, sonhando com um tempo em que fazer filmes não seja um privilégio de poucos, mas a realização de muitos

por: Eduardo Torelli

A trajetória de Zelito Viana, diretor de longas-metragens como Villa-Lobos – Uma Vida de Paixão e Bela Noite Para Voar, se confunde com a do próprio audiovisual brasileiro. No cinema e na TV, Zelito viabilizou ou se envolveu em projetos marcantes, colecionando prêmios no país e no exterior. Sócio-Gerente da Mapa Filmes Brasil, ele também é diretor do grupo Canal Brasil.

Pai do ator Marcos Palmeira e irmão do humorista Chico Anysio, o realizador teve uma passagem significativa pela Rede Globo, inovando a linguagem estética da casa com o uso de tecnologias revolucionárias para a época, como o Chromakey. Zelito esteve à frente de programas como Chico Total e Chico Anysio Show e produziu o antológico Confissões de Adolescente, dirigido por Daniel Filho nos anos 1990 e exibido na TV Cultura.

Dentre seus longas-metragens, destacam-se, além das produções citadas, Doce Esporte do Sexo (1970), Morte e Vida Severina (1976) e Avaeté, Semente de Vingança (1984). Zelito ainda produziu clássicos de Glauber Rocha, Eduardo Coutinho, Walter Lima Junior e Carlos Diegues.

Nesta entrevista a Zoom Magazine, o veterano conta mais detalhes sobre os bastidores de Bela Noite Para Voar – um filme repleto de desafios técnicos – e faz uma reflexão sobre o futuro da comunicação, mais rápida e interativa do que nunca.

VOCÊ NÃO QUERIA FAZER UMA BIOGRAFIA PADRÃO DE JUSCELINO Kubitschek. POR QUÊ?

Fazer uma biografia de um personagem, do nascimento até a morte, é dificílimo. Foi possível fazê-lo no caso de Villa-Lobos porque sua obra era música, e isso é fácil de contextualizar. Mas a vida de JK envolvia indústria naval, indústria automobilística, toda a reconstituição de época dos diferentes períodos… Não há dinheiro capaz de bancar um projeto assim – e, nesse caso, a única alternativa seria “fingir” que estava fazendo uma cine-biografia. Mas eu não queria filmar algo canhestro e, no livro de Pedro Rogério Moreira, encontrei a solução para o dilema: mostrar apenas um dia na vida do ex-presidente e, de forma tangencial, abordar sua vida política. O curioso é que, tão logo adotamos esse caminho, fui para o computador e escrevi o roteiro em apenas 72 horas. Foi um “surto” – nunca me aconteceu nada parecido.

JK É UMA FIGURA DESCONHECIDA PARA AS GERAÇÕES ATUAIS, MAS SEU NOME É UMA REFERÊNCIA PARA OS BRASILEIROS. A IDEIA ERA RESGATAR ESSA FIGURA HISTÓRICA?

Sim. Minha ideia era, justamente, fazer um filme para quem conhece Juscelino apenas do “banco do colégio”. Além disso, sou de uma geração que viu o Brasil mudar com JK. Sei de todas as críticas feitas a ele – de que seu governo aumentou a inflação, de que Brasília foi uma precipitação, de que o Rio de Janeiro se “ferrou” etc. Mas resolvi não tratar disso no filme, pois esses aspectos negativos são minimizados pelo que ele representou para o país. A contribuição de JK para o inconsciente do brasileiro foi fortíssima. Tínhamos um “complexo de vira-lata” e ele veio com a filosofia de “acreditar no Brasil”. E assim o fez – trabalhando dia e noite, despachando do avião e vivendo plenamente aquele sonho, que, também, era um sonho do país.

COMO VOCÊS DEFINIRAM O VISUAL DA PRODUÇÃO?

Esse é um dos aspectos de que mais gosto, creditado ao Diretor de Fotografia, Alziro Barbosa. O trabalho se estendeu ao laboratório, na pós-produção, quando se manipularam os grãos da imagem em busca de uma gestalt interessante. Há fotogramas com 400 layers. Utilizamos muitos efeitos invisíveis nesse filme.

VÁRIAS CENAS FORAM CAPTADAS COM O RECURSO DA TELA VERDE. O QUE VOCÊ ACHOU DE TRABALHAR COM ESSA TÉCNICA?

Achei ótimo. Quando trabalhei com Chico Anysio, costumava utilizar o Chromakey para fazer o humorista conversar consigo mesmo. Acho o “Chroma” uma solução fantástica, por nos permitir fazer o que quisermos. Posso filmar você aqui e colocá-lo em qualquer ambientação – no Vaticano, por exemplo. E as técnicas chegaram a tal ponto que não parece haver limites para o que se pode fazer. Meu filho (Marcos Palmeira) está fazendo o papel de um surfista em uma novela da Globo. Em Los Angeles, ele foi fotografado de todos os ângulos em uma espécie de “Globo da Morte”, para que seu rosto e suas expressões sejam transportados para um surfista. Assim, ele está surfando na novela. Para o diretor, a tela verde é um recurso útil. Só é um pouco complicada para os atores, porque eles precisam contracenar com “nada” – ou, no máximo, com uma lanterna (risos).

VOCÊ ACHA QUE TODA ESSA EVOLUÇÃO MUDARÁ O MODO DE SE FAZER FILMES E ATÉ DE ATUAR?

Um dia assisti a uma palestra no Canadá em que se dizia que o cinema está passando por uma revolução equiparável à do som. Achei a afirmação um pouco exagerada. A ideia era a de que os efeitos especiais mudarão a linguagem do cinema do mesmo modo que a introdução dos diálogos mudou os filmes nos anos 1930. Não vejo muita graça em produções como Homem-Aranha, porque seus efeitos são óbvios… Mas as trucagens empregadas em um longa como O Curioso Caso de Benjamin Button – e mesmo em certas tomadas de Brasília, em Bela Noite Para Voar – são sensacionais. Usamos efeitos em várias cenas e, muitas vezes, o espectador sequer percebe que eles estão ali.

É BOM SABER QUE O NOSSO CINEMA COMEÇOU A FAZER USO DESSAS TECNOLOGIAS. DURANTE MUITO TEMPO, ESSES RECURSOS AVANÇADOS SÓ ERAM USADOS EM PUBLICIDADE, SENDO DESCONSIDERADOS PARA LONGAS-METRAGENS.

Pois é. Eu mesmo fui obrigado a ir à Amazônia, quando filmei Avaeté, Semente de Vingança. Hoje, eu poderia fazer o mesmo filme sem sair de casa. Eu não estava fazendo um documentário, mas um filme ambientado na Amazônia. Tivemos um trabalho danado levando técnicos, equipe e máquinas para lá. Cinema é mentira, mesmo. Hoje em dia, ainda é mais caro utilizar efeitos do que o contrário. Mas logo não será mais – de Villa-Lobos para cá, o preço desses recursos foi consideravelmente reduzido.

CHEGOU UM PONTO EM QUE OS EFEITOS SÃO CRIADOS PARA A GRANDE INDÚSTRIA E LOGO MIGRAM PARA SOFTWARES DE EDIÇÃO CASEIROS. O CHROMAKEY, POR EXEMPLO, JÁ É UM RECURSO BATIDO EM PROGRAMAS DO GÊNERO.

Sou do tempo em que o primeiro “cérebro eletrônico” apareceu no Brasil. A máquina ocupava uma sala inteira da PUC e fazia menos operações que uma máquina de calcular. As coisas estão sendo miniaturizadas e evoluindo rapidamente. E quando essas tecnologias se baratearem, aí sim, as coisas ficarão boas. Em um documentário sobre as filmagens de Apocalipse Now, Francis Ford Coppola diz que seu maior sonho é o de que, um dia, uma “gordinha” do Maine (EUA), com apenas nove anos de idade, roube a câmera do pai e faça um filme maravilhoso – tão memorável quanto uma sinfonia de Mozart. A ideia é que só aí a profissão de “fazer filmes” será uma arte, pois estará acessível a todos. Por enquanto, isso não se aplica ao cinema – quem faz filmes ainda é um privilegiado, selecionado mais por ser capaz de levantar os fundos necessários para o projeto do que, propriamente, por suas qualidades artísticas.

ENTÃO, APESAR DE SER UM VETERANO DO CINEMA E DA TV, VOCÊ NÃO É RETICENTE QUANTO ÀS NOVAS TECNOLOGIAS E A DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO?

De modo algum. De fato, acho que essas coisas são fundamentais para a sobrevivência da minha atividade, que é o audiovisual. É preciso democratizar o meio, baratear seus recursos para que, cada vez mais, seja possível realizar um filme ou programa de TV com o celular. Esse é o futuro e é nessa direção que precisamos caminhar. Apesar dos meus cabelos brancos, estou sempre tentando me reciclar (risos).

QUAIS SÃO SEUS PRÓXIMOS PROJETOS?

Estou trabalhando na adaptação cinematográfica de “Bisa Bia, Bisa Bel”, um romance de Ana Maria Machado. A história é sobre uma menina que tem, introjetadas em si, a bisneta e a bisavó. É sensacional. Mas sei que será difícil transpor o tema para a tela na forma de imagens.

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