O OFÍCIO DO ATOR

CONHEÇA O OFÍCIO DO ATOR

Ao lidar com atores, o diretor de cinema desempenha o mesmo papel de um maestro à frente de sua orquestra

Por Tiaraju Aronovich

Na edição passada, comentamos as funções do diretor e falamos sobre a “linguagem cinematográfica”, percebendo que é a partir deste elemento que teremos a estrutura e o fundamento para construir todo o trabalho estético e visual com o diretor de fotografia e o diretor de arte de maneira colaborativa. Agora, é o momento de abordar um dos assuntos mais fascinantes, polêmicos e complexos entre as responsabilidades do diretor: a direção de atores, um verdadeiro “bicho de sete cabeças” em nosso país!

No que tange o assunto, nosso panorama encontra-se em estado bastante desencorajador: muitos de nossos diretores não sabem exatamente como se comunicar com os atores e sentem-se bastante inseguros quando chega o momento de orientar – ou, melhor, “dirigir” – suas personagens. Isso acontece, em grande parte, porque o diretor não conhece a fundo o ofício do ator e, consequentemente, não sabe como extrair dele o melhor resultado.

Mas será, então, necessário conhecer o ofício do ator para ser capaz de dirigir? Não tenha dúvidas! Pense no diretor como um maestro diante de uma orquestra: embora cada músico concentre-se em seu instrumento individual e em sua partitura, é necessário alguém que escute o conjunto todo e saiba perceber se há uma unidade coesa dentro da proposta artística determinada pela obra. Evidentemente, para que um maestro possa dar orientações coerentes e eficazes aos intérpretes, é essencial que entenda não apenas de música, mas de instrumentos individuais. Não é coincidência que o bacharelado em composição e regência (para aqueles que almejam conduzir orquestras) seja mais longo que o bacharelado em instrumento.

E também não é coincidência que o maestro seja obrigado a tocar vários instrumentos! Aliás, é extremamente comum que grandes maestros sejam, também, exímios instrumentistas! Pois bem: o diretor de cinema, frente a seus atores, está exatamente na mesma posição do maestro frente à sua orquestra! O diretor também precisa avaliar o conjunto todo e perceber se há uma unidade artística coesa e coerente dentro da proposta adotada. Agora, visualize uma pessoa que não sabe tocar nenhum instrumento tentando dar orientações à orquestra. Seria difícil, não? Como dialogar de igual para igual com os músicos? Como tirar deles o melhor resultado? Como extrair o melhor timbre do violino ou dosar a quantidade de ar das flautas? Bem, suponho que este paralelo ilustre de forma clara que o diretor precisa – e muito! – conhecer bem o ofício do ator.

Mas, se, por um lado, é comum encontrarmos diretores inseguros, por outro, é igualmente comum encontrarmos atores despreparados. O sistema formal acadêmico prepara o ator com grande ênfase em teatro e trabalho de palco, ignorando quase por completo a técnica e a linguagem para a telona – o que é uma lástima! E é um grande equívoco pensar que um ator treinado para o palco está automaticamente preparado para o cinema! Cada modalidade artística é um universo que requer técnicas e adaptações particulares. Um grande músico erudito pode não conseguir tocar Blues, por exemplo. Assim como um bailarino clássico pode não saber dançar Frevo! Da mesma forma, um ator formado para o palco pode não saber interpretar para cinema. Embora a arte seja a mesma, a forma de expressá-la e conduzi-la é diferente e requer cuidados especiais.

Dessa maneira, com um diretor inseguro e atores despreparados, está pronta a fórmula para um desastre: performances artificiais e mecânicas, falas decoradas, porém, vazias de sentido, gestuais estranhos, atores que interpretam sempre a si mesmos e por aí afora (tenho certeza que muitos leitores estão cansados de ver produções com estas características, certo?). E, o que é pior: muitas vezes, o diretor pode até perceber esses problemas, mas não sabe como resolvê-los. Consequentemente, quase abre mão da direção ou acaba pedindo auxílio a outro profissional que saiba como tirar um resultado mais adequado dos atores (o que também é uma lástima, já que dirigir atores é uma das atividades mais legítimas, complexas e prazerosas que um diretor pode assumir). Um diretor abrir mão de seus atores é quase como um maestro abrir mão de seus músicos!

Não deixe que isso aconteça com sua produção! Com bom senso e estudo, você pode realmente conduzir e dirigir seus atores com segurança, extraindo excelentes performances de cada um! Vamos, portanto, listar algumas dicas importantes que podem ajudar bastante na realização de seu projeto. Antes mesmo de começar os ensaios e o processo de “direção”, examine os tópicos a seguir.

DO MÉTODO À PRÁTICA

Começando “do começo”! Já que o assunto, aqui, é direção de atores, vamos conhecê-los? Procure saber como os atores trabalham – como abordam um texto, como criam um papel/personagem, que tipo de informação precisam etc. A arte do ator consiste em dar vida a um ser imaginário em situações também imaginárias – e, o que é mais complexo, conferindo “verdade”, veracidade a tudo isso, o que não é fácil! E cabe a um bom diretor auxiliar o ator nesse processo.

Há muitos caminhos e técnicas para criar um papel e cada um deve escolher o que mais lhe agradar. Mas, a título de curiosidade e ilustração, o caminho mais adotado pelos maiores atores e diretores do planeta é o que chamamos de “Método” ou “Sistema” – um conjunto de ferramentas e práticas cênicas que encontram sua origem no grande ator/diretor russo K. Stanislavski. Se pensarmos em nossos atores prediletos ou, por exemplo, em todos os ganhadores do Oscar dos últimos 40 anos, perceberemos que a esmagadora maioria é adepta desse tal “Método” ou “Sistema”: atores geniais, como Jack Nicholson, Marlon Brando, James Dean, Paul Newman, Al Pacino, Robert de Niro, Meryl Streep, Hillary Swank, Heath Ledger, Daniel Day-Lewis, Johnny Depp e por aí afora, bem como grandes diretores, do porte de Elia Kazan, Coppola, Scorsese e outros mais. Todos são adeptos fervorosos deste sistema ou de suas variações.

Ou seja: o negócio parece funcionar, não é? Basicamente, o “Sistema” propõe um processo complexo de fusão total entre ator e personagem. Os atores devem “desaparecer” por completo em seus papéis e, através de um domínio técnico apurado, passar a “viver” momentaneamente como as pessoas que estão interpretando, conferindo uma “verdade absoluta” a cada personagem. Mas, atenção! “Verdade absoluta” não significa necessariamente “realismo”, certo? O Willy Wonka interpretado por Johnny Depp não possui nada de “real”; ainda assim, acreditamos naquele personagem, pois ele é “verdadeiro”. Performances memoráveis da história do cinema, como a de Robert De Niro em Touro Indomável ou Heath Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas, são todas marcadas por um elemento comum – um trabalho primoroso de construção das personagens.

Este trabalho não é fácil e exige muito do ator e do diretor. Há casos famosos, como os do ator Daniel Day-Lewis, que leva de seis meses a três anos para criar um papel! Mas isso não deveria ser surpreendente ou assustador, visto que, em outras áreas artísticas, como música e dança, essa devoção técnica é comum (quanto tempo você acredita que um pianista levaria para preparar adequadamente uma suíte francesa de J. Sebastian Bach? Provavelmente, de seis meses a três anos, exatamente como Daniel Day Lewis!). Com o cinema, não poderia ser diferente.

Embora o “Método” seja o sistema técnico mais consagrado e comprovado da atualidade, há muitos outros caminhos possíveis e igualmente interessantes. Cabe ao diretor estudar, se aprofundar e conhecer com segurança os mecanismos de trabalho do ator para, só então, conseguir ajudá-lo e orientá-lo. Ficam aqui, porém, dicas importantes para os diretores iniciantes: das várias tradições e técnicas para atores e diretores, há algumas que não acreditam na “criação de uma personagem”. Fique atento, pois atores que não possuem técnica suficiente para criar personagens são atores que interpretam apenas a si mesmos. E você não convidaria seu colega “João” para atuar em seu filme e interpretar a si mesmo, certo? Se fosse o caso, seria mais adequado fazer um documentário sobre “João”.

Esteja atento, também, à “lenda urbana” de que cenas com beijos e tabefes são verdadeiras! Bons atores e bons diretores conhecem diversas técnicas para simular cenas “calientes” ou violentas, preservando ao máximo sua integridade emocional e física. Se os beijos e socos fossem reais no cinema, não haveria um casal estável em Hollywood – e Matt Damon estaria em maus lençóis após estrelar a Trilogia Bourne!

Como dica final para conhecer a fundo o ofício de ator, além de pesquisar e estudar, também é fundamental assistir a grandes performances! Além dos filmes já citados (Touro Indomável e Batman: O Cavaleiro das Trevas), sugiro, como ponto de partida, os arrebatadores Meu Pé Esquerdo e Sangue Negro (com atuações assombrosas de Daniel Day-Lewis), Monster, Desejo Assassino (que deu o Oscar à uma virtuosa Charlize Theron), Rain Man (Oscar para Dustin Hoffman), I am Sam: Uma Lição de Amor e Milk (para saborear os espetáculos de Sean Penn) e, para os fãs do suspense, Misery: Louca Obsessão, com atuação inesquecível de Kathy Bates.

A lista poderia continuar por páginas e páginas. Mas esses filmes são boas “portas de entrada” para apreciar “atores metódicos” em sua melhor forma – e para criar um bom banco de dados e referências para saber onde um ator pode chegar (quando bem dirigido, é claro!).

ORIENTE OS ATORES

Seja antes de uma conversa informal sobre o projeto, ou mesmo, antes de um ensaio com os atores, o diretor deve fazer sua lição de casa. Lembre-se que você deve transmitir segurança e domínio da obra aos atores. 

Para tanto, conheça em detalhes cada personagem da história! Saiba dizer a cada ator a importância e a relevância de cada uma das personagens dentro do roteiro (mesmo os menores papéis têm sua importância individual; caso contrário, não seriam necessários! Parafraseando Stanislavski: lembre seus atores de que não existem papéis pequenos, somente atores pequenos). E saiba com clareza o que cada personagem precisa ou quer alcançar/realizar em cada cena, bem como na obra em sua totalidade. Qual a relação entre as personagens. E tente imaginar possíveis backgrounds para cada papel, preenchendo as lacunas de informação que o roteiro não oferece (Onde será que a personagem nasceu? No que trabalhou ou trabalha atualmente? Quais suas experiências de vida mais marcantes? etc.). Tudo isso ajudará o ator a criar um papel robusto e humano, além de deixar claro que o diretor realmente sabe o que está falando!

Indique referências e estimule o ator a pesquisar sobre a realidade retratada no roteiro, pois isso também o ajudará a fazer escolhas coerentes. Exemplificando: caso o roteiro conte uma história policial protagonizada por investigadores ou agentes de polícia, encoraje o ator a ler bons livros e assistir a bons filmes sobre o gênero. Se o roteiro narra a vida de um padeiro, por exemplo, estimule o ator a visitar uma padaria e observar como um padeiro real trabalha. Todo este processo de pesquisa, observação e até vivência é o que comumente chamamos de “laboratório” e pode contribuir enormemente para a veracidade de um papel.

Bem, se levarmos em conta que você já conhece bem o ofício do ator, criou uma boa bagagem de referências e já sabe todos os detalhes sobre a personagem que será interpretada, é chegado o momento de realmente “dirigir”, conduzir os ensaios e arredondar as cenas. Nosso próximo passo é saber o que e como falar com os atores. E como orientá-los, a fim de conseguir deles o melhor desempenho!

Este e outros artigos você encontra na edição 217 da Zoom Magazine

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