Cineasta, roteirista e ator, Thales Corrêa é um profissional eclético

Diretor da série “Poly People”, Thales Corrêa fala sobre sua trajetória no audiovisual

Em entrevista exclusiva à Zoom Magazine, ator, cineasta e roteirista afirma que teoria e prática são importantes para a formação dos diretores

Cineasta, roteirista e ator, Thales Corrêa é um profissional eclético. Seu currículo inclui filmes, videoclipes e a série Poly People, que aborda temas como poligamia e identidade de gênero e que está disponível no YouTube. A primeira temporada da atração conta com sete episódios e mostra o relacionamento de Cuddelz (personagem interpretado pelo próprio diretor), que se identifica como não-binário, Lez (Ilona Kulinska), uma lésbica, Tucker (Anthony Moore), heterossexual, e Abbigail (Andrea Flowers), como bissexual.

Corrêa se tornou uma referência em produções com temática LGBTQIA+ após o sucesso de Nos Becos de São Francisco, filme lançado em 2020 que se tornou um dos títulos mais vendidos da TLA Video Store (loja online de conteúdo audiovisual).

Nascida no berço de Second City, grupo de comédia em Los Angeles, a série Poly People foi criada para entreter o público. A parceria entre Melissa Girard (uma das autoras que trouxe a concepção original) e Thales resultou em um entretenimento leve, mas, também, cheio de ensinamentos. Além de Thales e o grupo Second City, a produção conta com o ator e também roteirista Anthony Moore, que, recentemente, esteve no humorístico Vai Que Cola, do Multishow.

Natural de Minas Gerais, Thales mudou-se para Los Angeles aos 21 anos, onde frequentou a Escola de Cinema da UCLA. Na entrevista a seguir, ele recorda sua trajetória, fala sobre sua experiência como realizador nos mais diversos formatos audiovisuais e dá dicas preciosas para todas as pessoas que almejam trilhar o mesmo caminho que ele.  

Como e quando surgiu o seu interesse por audiovisual? E em que momento da vida você decidiu que iria enveredar por esse caminho?

Desde a infância. Cresci no interior de Minas e sempre fui atraído pelas artes, apesar dos recursos escassos na infância. Mais tarde, aos 21 anos, tive a oportunidade de vir estudar cinema aqui nos EUA, onde tive contato mais abrangente com outras áreas do cinema.

Quais são os cineastas e roteiristas que mais te influenciaram, e como essas influências se manifestam em sua obra?

Há vários diretores que admiro e nos quais me espelho, e eles variam dependendo o momento (risos). Começando pelo cenário brasileiro, temos José Padilha, Fernando Meireles e Hector Babenco. Pixote é um clássico, muito bem feito, precursor de Cidade de Deus (um dos filmes brasileiros mais conhecidos aqui fora), o que leva a Tropa de Elite. O cinema nacional tem uma trajetória linda. Dos mais contemporâneos, Miguel Falabella, responsável por diversas produções na TV, acabou de lançar o maravilhoso filme Veneza. Também admiro muito a carreira de Fábio Porchat, que é bem ousado e muito versátil. Fora do Brasil, admiro as Wachowkis, duas irmãs trans que criaram Matrix, assimo como: Christopher Nolan, Robert Zemeckis, Darren Aronofsky e Spike Lee. Os mexicanos Alfonso Cuarón e Iñárritu. O argentino Gaspar Noé. Robert Rodriguez, que fez Sin City e começou com o humilde El Mariachi. Dos mais contemporâneos, Isa Rae, Lena Dunham, Damien Chazelle.

Você passou por vários nichos do audiovisual (filmes, séries de TV, videoclipes). Qual desses formatos considera mais atraente e alinhado com a sua maneira de criar e dirigir?

Tenho fases. Quando saí da faculdade, eu só queria fazer cinema. Não conseguia me ver criando um seriado. Depois de passar pela Second City, um grupo de Los Angeles, ficou muito clara a maneira de expressar as histórias que eu queria contar em formato de periódicos. E percebi que o que mais assistia eram séries. Agora estou em uma fase de criação de séries. Amei o processo e temos outras duas para lançar em breve. A tecnologia muda a indústria muito rápido e estou sempre aberto a abraçar novos formatos e seguir em novas direções.

Você teve uma vivência na prestigiada Escola de Cinema da UCLA, de onde saíram grandes cineastas contemporâneos. Como essa experiência impactou sua formação? Quais foram as grandes lições que aprendeu lá?

Foi como sair de um casulo. Conheci pessoas do mundo inteiro que buscavam o mesmo que eu, e me senti acolhido. Também tive várias quebras de expectativas: de fora, eu imaginava a indústria de outra maneira, e na faculdade fui percebendo que é um pouco mais complicado do que parece, mas temos sempre uma técnica para poder nos guiar. Também aprendi sobre diretores como Frank Capra, Scorsese, Kurosawa, Kubrick e Zemeckis, entre outros que trilharam a indústria. Foi legal poder estudar sobre essas lendas mais de perto.

Embora a formação seja importante para profissionais do audiovisual, há quem diga que a experiência é sempre a melhor escola. Em sua opinião, a prática é mais importante que o aprendizado acadêmico? Ou as duas coisas se complementam?

Com certeza, a prática é tudo na vida, em qualquer área. Porém, não acho que uma cancela a outra. As duas coisas se complementam. O conhecimento liberta e nos mostra caminhos que podemos não conseguir enxergar apenas na prática. E vice-versa, a prática também lhe dá uma experiência que não se atinge apenas estudando. Hoje, temos acesso muito fácil a ferramentas de criação audiovisual, então, nada te impede de começar a criar, sem ter que passar por qualquer formação.

Houve um tempo em que o cinema e a TV eram vitrines soberanas para o trabalho dos filmmakers. Hoje, com a internet e as plataformas de streaming, parece haver muito mais espaço para que jovens cineastas mostrem seus trabalhos. Como você vê essa maior disponibilidade de janelas para o audiovisual? Na prática, isso democratizou a profissão?

Sim, com certeza, a tecnologia vem fazendo isso há anos, não só no cinema, mas no entretenimento e até no comércio em geral. Hoje, você consegue abrir uma loja virtual em segundos. E isso democratiza qualquer indústria. Tudo tem o lado bom e ruim, mas a tecnologia é uma estrada de via única e não adianta lutar contra isso. Temos sempre que nos adaptar e contribuir com o processo. Hoje, todo mundo usa streaming e internet para assistir às suas séries e filmes favoritos. O que funciona hoje, não funcionará mais dentro de alguns anos, e está tudo bem. Mas estarei sempre me adaptando ao nosso tempo.

Como filmmaker, você é o tipo de profissional que também se interessa pela parte técnica do ofício (por exemplo: acompanhar a evolução das câmeras, lentes e softwares utilizados na área)? Ou prefere se concentrar mais nos aspectos mais sutis da direção, como o trabalho com o elenco e a construção das personagens?

Fico mais do lado da direção, elenco, contrato de personagem e roteiro. Fico atento às evoluções técnicas e gosto sempre de inovar, mas não sou um geek de câmeras, não. Fico mais na parte de pós-produção, edição e efeitos visuais, com as quais me envolvo mais profundamente.

Em um retrospecto de sua carreira, que trabalho você considera o mais interessante? Qual de suas produções lhe proporcionou mais prazer e satisfação?

É difícil escolher um filho só, né? Sempre o último projeto em que estou trabalhando é mais avançado e requer mais a minha atenção, e tenho mais expectativas do que os anteriores. Mas cada projeto tem seus momentos e seu próprio valor. Fiz meu primeiro curta com a amiga Ludmila Dayer, e isso me levou para Cannes. Meu último longa, Nos Becos de São Francisco, foi uma fase muito legal da minha vida e me trouxe muitos frutos. Poly People foi a minha primeira série, então, foi uma experiência bem diferente, e estou amando esse formato.

Dizem que cineastas sempre têm um grande projeto guardado na gaveta, que sonham realizar um dia. Qual é o projeto que você gostaria muito de realizar, mas que ainda não foi capaz de viabilizar?

Como você mesmo disse, está guardado em uma gaveta. Então, eu os deixo bem quietinhos lá. Quando o momento chegar, eu mostro para todo mundo. São projetos parecidos com o que tenho feito, porém, em uma escala um pouco maior de produção.

Que conselhos você daria aos jovens que têm vontade de abraçar essa carreira, mas que não sabem por onde começar?

Use seus próprios recursos. Por mais que deseje fazer projetos grandes, com escalas maiores, deixe-os na gaveta e comece por coisas que consiga fazer com suas próprias mãos, agora. Não tenha medo de errar, de fazer algo que será criticado. Apenas faça e comece a descobrir qual é o seu forte. Eu comecei a estudar roteiro, e foi assim que consegui escrever meus próprios projetos e fazer algo acontecer.

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