Cinema direto x cinema verdade
Os movimentos que formaram a base da atual produção de documentários
Por: Luiz Carlos Lucena / Fotos: Divulgação
O “boom” de documentários ocorrido no Brasil nos últimos anos, impulsionado, de certa maneira, pela abertura das TVs à produção nacional (Lei 12.485/2011, da TV paga), trouxe para este segmento de mercado produtores de diversas áreas e formações técnicas. Sociólogos, jornalistas e antropólogos, com o arcabouço teórico de seus estudos teóricos, passaram a produzir filmes de não-ficção, assim como estudantes de coletivos e instituições não governamentais.
Nesta produção crescente, detectamos erros e acertos, é claro. Porém, conhecemos muitos filmes de conteúdos importantes, que refletem a realidade brasileira em sua contemporaneidade. Por isso, falaremos, aqui, das duas principais correntes de produção de documentários que norteiam essas produções, e como elas se apresentam (ou devem se apresentar).
Tais correntes, que podemos denominar como “linguagens documentais”, surgiram nos anos 1960, na França e nos EUA, como resultado da chegada das câmeras portáteis e do advento do gravador Nagra, que permitiu a sincronia entre imagem e som. Leves e utilizando filmes de 16 milímetros (que depois eram transferidos para o 35 na edição), essas câmeras deram ao fotógrafo maior liberdade de movimento, tornando-se quase uma extensão de suas mãos e conferindo maior realismo às cenas. Também seriam utilizadas nos Cinemas Novos que surgiram no Brasil e em países da América Latina e no cinema moderno em todo o mundo.
Equipe “invisível”
O cinema direto surgiu nos EUA, com os cineastas Robert Drew e Richard Leacock, respectivamente, diretor e fotógrafo do filme Primary (1960), que acompanha a campanha de Kennedy à presidência – o mesmo formato retomado por João Moreira Salles no Brasil em seu filme Entreatos. A característica principal do cinema direto é a invisibilidade da equipe de realizadores e a ausência de um narrador “off”.
Ou seja: no cinema direto, a ação deve se desenvolver diante do espectador da forma menos intermediada possível, com a realidade apreendida pelo realizador e transmitida ao espectador de forma direta. No Brasil, essa forma de abordagem fez escola entre os principais realizadores de documentários, de Eduardo Coutinho a João Moreira Salles, e cineastas de safra mais recente, como esse que aqui escreve. No filme O Fim e o Princípio, Coutinho mostra muito claramente essa abordagem, com sua câmera presente o tempo todo, embora não vejamos a equipe (apenas Coutinho aparece, conduzindo a cena e as entrevistas).
Envolvimento na ação
O cinema verdade surge na França, principalmente com o trabalho do cineasta Jean Rouch, morto recentemente, diretor de obras marcantes, como Crônica de um Verão. Diferentemente do cinema direto, o cinema verdade permite e envolve o cineasta na ação. E, embora também trabalhe com uma equipe enxuta, utiliza prioritariamente a entrevista, na qual se registra não apenas o entrevistado, mas também a o cineasta e o aparato fílmico. No cinema verdade, uma pessoa fala para a câmera o que não falaria sem ela, e age de uma forma como não agiria sozinha.
Apesar de diferenças fundamentais dos pontos de vista metodológico e ideológico, tanto o cinema direto quanto o cinema verdade impuseram renovação à linguagem do documentário, mudando para sempre o cinema documental – até então, associado ao didatismo da exposição. Esses movimentos inovadores do início da década de 1960 norteiam a produção documental até hoje e influenciaram documentaristas de todo o mundo, e mesmo cineastas de ficção – Cidade de Deus e Tropa de Elite têm uma base documental muito presente em sua linguagem e forma de produção (não na equipe reduzida, mas na maneira de filmar e no que se refere ao trabalho do ator). Esses dois movimentos ainda formam, portanto, a base de produção documental na modernidade.
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